Sou Cultura viva, pulsando no compasso da bateria! Sou sangue do gigante Brasil!

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sábado, 26 de outubro de 2013

VAI COMEÇAR TUDO DE NOVO! Que BOM!

Pois é né, chegando final de ano, natal, réveillon, férias escolares e logo logo surgirão na televisão uma vinhetas muito peculiares e uma mocinha, sambando magistralmente! 
O que isso sugere a todos?
Mas, ao ver os desfiles, na maioria das vezes não conseguimos imaginar o trabalho que levou cada agremiação a apresentar aquele espetáculo. Isso acontece também por que a grande mídia que cobre este evento não o valoriza devidamente ao longo de todo o ano, quando o trabalho árduo de milhares de anônimos acontece.
Hoje, dando o pontapé inicial à cobertura do carnaval 2014 deste blog, falaremos de alguns dos principais passos da elaboração dos desfiles. Não pretendemos entrar nas minúcias, mas sim fazer um apanhado geral dos principais fatos que envolvem o desenvolvimento da maior manifestação da cultura popular genuinamente brasileira, produto de exportação.

Tudo começa no final! Mas como assim? Ora, tudo começa quando o carnaval termina!
 Realizadas as premiações, alguns felizes, outros satisfeitos, indignados, revoltados, conformados, tristes, enfim...
A vida continua e a construção do carnaval do ano seguinte recomeça, inicialmente com as avaliações do que esteve a contento e do que deve ser melhorado.
Assim como no futebol, ocorrem os troca-trocas de carnavalescos, mestres de bateria, mestres sala e porta bandeiras, coreógrafos de comissão de frente, diretores de harmonia, evolução!
Feito isso, surgem as propostas de enredo para o novo desfile. Estas sugestões ocorrem das mais diversas formas: através de cartas, e-mails, propostas de empresas, patrocínios, desejos das próprias escolas, sugestões dos carnavalescos, sobretudo.

Após a árdua tarefa de escolher um tema que será trabalhado durante todo o restante do ano e conduzirá a escola na avenida, começa o desenvolvimento do enredo propriamente dito, afim de elaborar a sinopse, orientadora de todo o desenvolvimento posterior, dos figurinos, carros, samba, etc.
Como exemplo de sinopse, trazemos o material da atual campeã do carnaval do Rio de Janeiro, a Unidos de Vila Isabel, que trará o enredo "Retratos de um Brasil Plural":


Sinopse do enredo
É o Brasil um gigante pela própria natureza! Um gigante feito de rochas, terra e matas que moldam sua figura, dos bichos e pássaros que vivem em seu corpo e dos rios que correm em suas veias. Um gigante que, por muito tempo, ficou adormecido enquanto seu corpo era mutilado e suas riquezas saqueadas. Mas é na força do povo, presente nos ritos e celebrações, na musicalidade, nos folguedos, nos causos, no imaginário coletivo e nas ações de preservação, que encontramos a alma deste imenso Brasil. Uma alma viva, que se manifesta e faz vibrar o corpo do gigante lhe fazendo despertar.
Vamos então, seguindo a trilha deixada por Câmara Cascudo, encontrar os "desertões" africanos que "batizaram" os cafundós da nossa terra e, partindo da nossa Costa Marina, adentrar os nossos sertões numa viajem para desnudar o corpo e reverenciar a alma deste imenso Brasil.
Separando as Costas daqui e de lá estava o "Oceano Tenebroso", como um espelho d’água a refletir a triste imagem da escravidão.
Mas foi do meio do "desertão" da África tribal, e não do vai e vem do litoral, que herdamos a alegria das festividades e a espontaneidade do cantar e do dançar e que desaguaram no vasto estuário da nossa cultura popular.
Do lado de cá, os lusitanos também se fixaram como "caranguejos", ocupando todo o litoral, berço da exuberante e diversificada Mata Atlântica, criando as diversas regiões coloniais e espalhando os "dejetos" da civilização e do progresso. Diferentemente das terras costeiras, onde os nativos e negros trabalhavam como escravos na exploração das riquezas, os "sertões selvagens" e desconhecidos ficaram renegados à própria sorte.
Mas, enquanto os "civilizados" do litoral derrubavam a floresta original, os lampejos de "brasilidade" espocavam aqui e acolá: os nativos fizeram o colonizador "dançar" e os minuetos escaparam do salão para as varandas e dali para os congos, batuques e cucumbis dos terreiros negros. Seja nas procissões, seja nas danças, iniciou-se o "embaralhamento" como traço marcante desse barroco-latência que nos constituiu.
Mas se, mesmo dilacerado, o litoral foi o ventre gerador, foram os solos desprezados dos sertões que guardaram e protegeram as tradições mais autênticas que do Brasil floresceu. Foi ali, na dureza da lida e da vida afastada da cidade, e não do litoral, lugar onde imperavam as transformações rápidas, que chegavam por meio das regiões portuárias, trazendo mercadorias e idéias que não tinham correspondência com os valores do nosso solo, que vingou a nossa legítima "alma" brasileira.
É o momento de redescobrir na simplicidade da sombra de um cajueiro, do trabalho das rendeiras e das xilografias do cordel, a passagem que nos leva ao Reino do Cangaço, o fabuloso cenário onde Lampião e seus compadres se encontram com as cortes do sertão. E vislumbrar entre mandacarus, xique-xiques, facheiros e coroas de frades, a misteriosa "floresta Branca" onde o homem das caatingas, entre uma oração pedindo chuva e uma reza amaldiçoando a morte, nos mostra toda riqueza e esplendor onde antes acreditava-se existir apenas o vazio, o deserto e a morte camuflada e escondida na poeira. E quando a chuva cai do céu, por milagre ou pura sorte, o branco se torna verde e a vida vence a morte.

E o verde tem mais cor! Deixe-se, então, seduzir pelo canto do uirapuru e seja conduzido ao Reino das Amazonas, as senhoras do "Inferno Verde", onde o cangaceiro das caatingas se transforma em barão seringueiro e protetor da copaíba, da andiroba, do babaçu e do buriti. Vem do coração da mata a lição, vem do sertanejo amazônico o exemplo: que a corrente que agora enlaça os troncos, diferentemente daquela puxada por tratores assassinos, seja uma corrente que junte os elos da preservação herdados de Chico Mendes e abençoados pelos seres encantados!
Liberte-se das amarras e permita que o seu pensamento lhe transporte até os Sertões dos Cerrados nos acordes de uma moda de viola para conhecer o Reino de Morená e desbravar a intrigante "floresta de cabeça para baixo" com suas quebradeiras de coco e a riqueza do capim dourado. É a grande oca onde os povos do Xingu realizam o Kuarup em honra aos ancestrais mortos enquanto os deuses sagrados lutam contra o boitatá de fogo para impedir a queimada do seu território. E assim, sob reluzente céu azul anil, protegido esteja o berço das águas do Brasil.
Mas não tenha medo! Feche os olhos, ouça o suave canto da Mãe-D’água e, no vai e vem das águas, no subir e descer das marés, se deixe levar até a Baía de Chocoreré no Pantanal onde o Barco Fantasma com sua bandeira mal assombrada navega ao som do hino do Divino para proteger o lugar. E fecha a porteira e segura o gado! Boi, boi da cara preta não derrube essa cerca porque o pantaneiro não tem medo de careta. Pois aqui tem boi verde do bem e gente que vira bicho sem ninguém estranhar! São tantos mistérios e "causos" que é preciso muito tempo para gente contar.
Dê tempo ao tempo e asas à sua imaginação e voe com a Gralha Azul aos Campos do Sul e também se torne um protetor dos pinheirais. E não perca o rodeio que está para começar: tem pinhão e peão na peleja! E tem o Negrinho do Pastoreio todo prosa em seu cavalo de pau querendo ser o vencedor e o Caipora faceiro sentado em um porco do mato também tem o seu valor. Mas o tempo está acabando e o torneio chegando ao final.
Levantemo-nos das nossas selas confortáveis do descaso, porque para sermos os campeões dessa corrida precisamos ter atitude e pararmos o ganancioso relógio da devastação! É hora de ouvirmos os nossos corações, porque o coração é o que está dentro, é o sertão de cada um!
Eis o reconhecimento da Unidos de Vila Isabel a todos os "Chicos" e "Câmaras Cascudos" anônimos espalhados pelo Brasil! Hoje somos "Vila" e "Herdeiros"! Herdeiros do respeito a nossa natureza e do amor às coisas do nosso país!
Protegendo o "corpo" como fez Chico e a "alma" como fez Cascudo, estaremos preservando a VERDADEIRA NATUREZA do nosso gigantesco país e revelando as cores e matizes que retratam um Brasil Plural!

Para a elaboração deste vasto e rico material, idealizado pelo carnavalesco e geralmente com assessoria de uma equipe que conta com pesquisadores e historiadores, tem-se os marcos norteadores da história que será apresentada no desfile. Este material guiará a elaboração de fantasias, alegorias e do hino da escola, o samba de enredo oficial!
Trata-se de um processo minucioso e que será explicado um pouco mais na próxima semana!

Até a próxima semana com mais um pouco do melhor do carnaval!
Fiquem com uma amostra dos bastidores do maior espetáculo da terra! No vídeo, Milton Cunha, grande carnavalesco, trabalhou em diversas escolas no grupo especial do Rio de Janeiro e comentarista de desfiles!


Abraços e Boa Semana!