Dando continuidade às postagens dos destaques em termos de enredo para o carnaval 2017, chegamos ao tema que gerou o maior furor no período pré carnavalesco. O enredo da Imperatriz Leopoldinense 2017 chamado "Xingu, o clamor que vem da floresta", faz uma justa homenagem ao parque nacional do Xingu, no Mato Grosso.
Porém, ouve um movimento de contestação e crítica ao enredo, partindo das entidades que representam o agronegócio brasileiro, através de notas à imprensa, como a que segue:
"A Associação Brasileira de Marketing Rural & Agronegócio (ABMRA), entidade de comunicação do Agronegócio, repudia a forma como a Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense apresentará o seu enredo “Xingu, o Clamor da Floresta” no Carnaval carioca deste ano. O samba-enredo exalta o povo Xingu mas critica o Agronegócio. Além disso, prevê a apresentação de uma ala chamada “Fazendeiros e Seus Agrotóxicos”. Essa iniciativa denigre a imagem do setor produtivo agropecuário, já que generaliza de forma depreciativa um segmento tão importante para a economia do país.
Pelo que se sabe, os agrotóxicos são amplamente utilizados sendo inclusive o Brasil um dos maiores consumidores mundiais desses insumos. Portanto, parece exagerada a "ofensa" sentida pela entidade e seus representados. Talvez de uma forma torta a resistência dessas entidades tenha criado um efeito potencializador do enredo tal como mencionamos na postagem anterior sobre a arte de rua em São Paulo que teve na pintura de cinza uma valorização do enredo sobre a beleza das cores na cidade."
O certo é que o enredo da Imperatriz Leopoldinense é atualíssimo, necessário e realista. Chama ainda atenção o fato de que esse tema e esse mesmo Xingu já foi cantado em tom similar em 1983 no enredo da Mocidade independente de Padre Miguel no enredo "Como era verde o meu Xingu", cuja letra segue abaixo para análise:
Emoldurado em poesias
Como era verde o meu Xingu
Sua fauna, que beleza
Onde encantava o Uirapuru
Palmeiras, carnaúbas seringais
Cerrados, florestas e matagais
Oh, sublime natureza
Abençoada pelo nosso criador
Quando o verde era mais verde
E o índio era o senhor
Kaiamurá, kalapalo e kajurú
Cantavam os deuses livres do verde Xingu
Oh Morena
Morada do sol e da lua
Oh morena
O Paraíso onde a vida continua
Quando o homem branco aqui chegou
Trazendo a cruel destruição
A felicidade sucumbiu
Em nome da civilização
Mas mãe natureza
Revoltada com a invasão
Os seus camaleões guerreiros
Com seus raios justiceiros
Os caraíbas expulsarão
Deixe nossa mata sempre verde
Deixe o nosso índio ter seu chão
Mais de 20 anos se passaram a a realidade parece a mesma, com tons mais cruéis na atualidade. O enredo da Imperatriz destaca alguns ítens fundamentais como podemos ver nos recortes da sinopse do seu enredo:
"O índio estacionou no tempo e no espaço. O mesmo arco que faz hoje, seus antepassados faziam há mil anos. Se pararam nesse sentido, evoluíram quanto ao comportamento do homem dentro da sociedade. O índio em sua comunidade tem um lugar estável e tranquilo. É totalmente livre, sem precisar dar satisfações de seus atos a quem quer que seja. Toda a estabilidade social, toda a coesão, está assentada num mundo mítico. Que diferença enorme entre as duas humanidades! Uma tranquila, onde o homem é dono de todos os seus atos. Outra, uma sociedade em convulsão, onde é preciso um aparato, um sistema repressivo para poder manter a ordem e a paz".
(Orlando Villas-Bôas, sertanista)
O amanhã resiste em cada semente carregada pela força do destino, conduzida pelos pássaros que enfeitam nossos cocares, orientam nossas flechas e repovoam essa gigantesca floresta. Nós somos a floresta e deixaremos que o vento leve este canto aos homens de boa vontade. Eles precisam nos ouvir. Sim, guerreiro menino, porque quando não existir mais floresta, nossa gente será apenas lembrança e o que eles chamam de país, já não terá nenhuma esperança...
Também é justo lembrar de caraíbas que foram amigos. Eles se embrenharam pelo sertão para fazer do Brasil uma grande nação, criando picadas, abrindo estradas e campos de pouso para a aviação. Foram os primeiros a escrever nessas terrras a palavra integração. Eles ficaram encantados com o nosso jeito de ser. Ficarão para sempre em nossos corações, protegidos por Tupã. Louvados sejam os irmãos Villas Boas, que nos ajudaram a encontrar a passagem para o amanhã!
As nações xinguanas se reúnem para celebrar o orgulho de ser índio e pedem licença para falar: enquanto o caraíba não recuperar o seu equilíbrio, a Natureza agonizará. E sem ela, sem a proteção da Mãe de todos nós, estaremos ameaçados - seja na terra dos civilizados, ou nos confins dos povos isolados. Já é tempo de o caraíba cultivar a humildade e aprender com o índio o que chama de sustentabilidade. Precisa esquecer os lucros, o progresso, o consumo e o desenvolvimento; zelar pelos sentimentos e os compromissos com a Humanidade, retirando da Natureza apenas o que basta para o seu sustento."
Para a realização do enredo houve uma preocupação grande na hora de tratar do tema, o que levou a escola a buscar o apoio especializado, na questão técnica e científica, como fica claro nas palavras do presidente do Museu do Índio:
Ainda com relação à elaboração de enredos, deve ficar muito claro aos que não conhecem o processo de criação de elaboração dos mesmos, que há uma grande pesquisa e metodologia envolvida na criação e na defesa de um enredo na avenida. Isso parece ter sido ignorado pelos críticos do enredo, que estes sim, pouco conseguem defender no que diz respeito às suas atitudes.
A seguir as palavras do Professor Carlos Fausto, da UFRJ:
A importância, seriedade e a qualidade do enredo fica muito evidente nas palavras dos especialistas sobre o tema. A seguir podemos curtir uma versão do samba, com a particiapação especial de um dos maiores intérpretes do festival de Parintins, David Assayag, famoso pela interpretação da música "Vermelho", ao lado da cantora Fafá de Belém.
Abaixo, acompanhem a letra do samba, muito forte e que promete muita emoção e garra dos componentes da escola na avenida:
BRILHOU… A COROA NA LUZ DO LUAR!
NOS TRONCOS A ETERNIDADE… A REZA E A MAGIA DO PAJÉ!
NA ALDEIA COM FLAUTAS E MARACÁS
KUARUP É FESTA, LOUVOR EM RITUAIS
NA FLORESTA… HARMONIA, A VIDA A BROTAR
SINFONIA DE CORES E CANTOS NO AR
O PARAÍSO FEZ AQUI O SEU LUGAR
JARDIM SAGRADO O CARAÍBA DESCOBRIU
SANGRA O CORAÇÃO DO MEU BRASIL
O BELO MONSTRO ROUBA AS TERRAS DOS SEUS FILHOS
DEVORA AS MATAS E SECA OS RIOS
TANTA RIQUEZA QUE A COBIÇA DESTRUIU
SOU O FILHO ESQUECIDO DO MUNDO
MINHA COR É VERMELHA DE DOR
O MEU CANTO É BRAVO E FORTE
MAS É HINO DE PAZ E AMOR
SOU GUERREIRO IMORTAL DERRADEIRO
DESTE CHÃO O SENHOR VERDADEIRO
SEMENTE EU SOU A PRIMEIRA
DA PURA ALMA BRASILEIRA
JAMAIS SE CURVAR, LUTAR E APRENDER
ESCUTA MENINO, RAONI ENSINOU
LIBERDADE É O NOSSO DESTINO
MEMÓRIA SAGRADA, RAZÃO DE VIVER
ANDAR ONDE NINGÚEM ANDOU
CHEGAR AONDE NINGUÉM CHEGOU
LEMBRAR A CORAGEM E O AMOR DOS IRMÃOS
E OUTROS HERÓIS GUARDIÕES
AVENTURAS DE FÉ E PAIXÃO
O SONHO DE INTEGRAR UMA NAÇÃO
KARARAÔ… KARARAÔ… O ÍNDIO LUTA PELA SUA TERRA
DA IMPERATRIZ VEM O SEU GRITO DE GUERRA!
SALVE O VERDE DO XINGU… A ESPERANÇA
A SEMENTE DO AMANHÃ… HERANÇA
O CLAMOR DA NATUREZA
A NOSSA VOZ VAI ECOAR… PRESERVAR!
Para finalizar a postagem, quero valorizar o profissional por trás do desenvolvimento de um enredo de escolas de samba. Para isso, ouçam a manifestação do carnavalesco Cahê Rodrigues sobre o tema e suas críticas: