Sou Cultura viva, pulsando no compasso da bateria! Sou sangue do gigante Brasil!

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domingo, 12 de fevereiro de 2017

Como foi VERDE o nosso XINGU!

Dando continuidade às postagens dos destaques em termos de enredo para o carnaval 2017, chegamos ao tema que gerou o maior furor no período pré carnavalesco. O enredo da Imperatriz Leopoldinense 2017 chamado "Xingu, o clamor que vem da floresta", faz uma justa homenagem ao parque nacional do Xingu, no Mato Grosso
 Porém, ouve um movimento de contestação e crítica ao enredo, partindo das entidades que representam o agronegócio brasileiro, através de notas à imprensa, como a que segue: 

"A Associação Brasileira de Marketing Rural & Agronegócio (ABMRA), entidade de comunicação do Agronegócio, repudia a forma como a Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense apresentará o seu enredo “Xingu, o Clamor da Floresta” no Carnaval carioca deste ano. O samba-enredo exalta o povo Xingu mas critica o Agronegócio. Além disso, prevê a apresentação de uma ala chamada “Fazendeiros e Seus Agrotóxicos”. Essa iniciativa denigre a imagem do setor produtivo agropecuário, já que generaliza de forma depreciativa um segmento tão importante para a economia do país.

Pelo que se sabe, os agrotóxicos são amplamente utilizados sendo inclusive o Brasil um dos maiores consumidores mundiais desses insumos. Portanto, parece exagerada a "ofensa" sentida pela entidade e seus representados.  Talvez de uma forma torta a resistência dessas entidades tenha criado um efeito potencializador do enredo tal como mencionamos na postagem anterior sobre a arte de rua em São Paulo que teve na pintura de cinza uma valorização do enredo sobre a beleza das cores na cidade."

O certo é que o enredo da Imperatriz Leopoldinense é atualíssimo, necessário e realista. Chama ainda atenção o fato de que esse tema e esse mesmo Xingu já foi cantado em tom similar em 1983 no enredo da Mocidade independente de Padre Miguel no enredo "Como era verde o meu Xingu", cuja letra segue abaixo para análise: 

Emoldurado em poesias
Como era verde o meu Xingu
Sua fauna, que beleza
Onde encantava o Uirapuru

Palmeiras, carnaúbas seringais
Cerrados, florestas e matagais

Oh, sublime natureza
Abençoada pelo nosso criador
Quando o verde era mais verde
E o índio era o senhor

Kaiamurá, kalapalo e kajurú
Cantavam os deuses livres do verde Xingu

Oh Morena
Morada do sol e da lua
Oh morena
O Paraíso onde a vida continua

Quando o homem branco aqui chegou
Trazendo a cruel destruição
A felicidade sucumbiu
Em nome da civilização
Mas mãe natureza
Revoltada com a invasão
Os seus camaleões guerreiros
Com seus raios justiceiros
Os caraíbas expulsarão

Deixe nossa mata sempre verde

Deixe o nosso índio ter seu chão


Mais de 20 anos se passaram a a realidade parece a mesma, com tons mais cruéis na atualidade. O enredo da Imperatriz destaca alguns ítens fundamentais como podemos ver nos recortes da sinopse do seu enredo: 

"O índio estacionou no tempo e no espaço. O mesmo arco que faz hoje, seus antepassados faziam há mil anos. Se pararam nesse sentido, evoluíram quanto ao comportamento do homem dentro da sociedade. O índio em sua comunidade tem um lugar estável e tranquilo. É totalmente livre, sem precisar dar satisfações de seus atos a quem quer que seja. Toda a estabilidade social, toda a coesão, está assentada num mundo mítico. Que diferença enorme entre as duas humanidades! Uma tranquila, onde o homem é dono de todos os seus atos. Outra, uma sociedade em convulsão, onde é preciso um aparato, um sistema repressivo para poder manter a ordem e a paz".
(Orlando Villas-Bôas, sertanista)
O amanhã resiste em cada semente carregada pela força do destino, conduzida pelos pássaros que enfeitam nossos cocares, orientam nossas flechas e repovoam essa gigantesca floresta. Nós somos a floresta e deixaremos que o vento leve este canto aos homens de boa vontade. Eles precisam nos ouvir. Sim, guerreiro menino, porque quando não existir mais floresta, nossa gente será apenas lembrança e o que eles chamam de país, já não terá nenhuma esperança...
Também é justo lembrar de caraíbas que foram amigos. Eles se embrenharam pelo sertão para fazer do Brasil uma grande nação, criando picadas, abrindo estradas e campos de pouso para a aviação. Foram os primeiros a escrever nessas terrras a palavra integração. Eles ficaram encantados com o nosso jeito de ser.  Ficarão para sempre em nossos corações, protegidos por Tupã. Louvados sejam os irmãos Villas Boas, que nos ajudaram a encontrar a passagem para o amanhã!
As nações xinguanas se reúnem para celebrar o orgulho de ser índio e pedem licença para falar: enquanto o caraíba não recuperar o seu equilíbrio, a Natureza agonizará. E sem ela, sem a proteção da Mãe de todos nós, estaremos ameaçados - seja na terra dos civilizados, ou nos confins dos povos isolados. Já é tempo de o caraíba cultivar a humildade e aprender com o índio o que chama de sustentabilidade. Precisa esquecer os lucros, o progresso, o consumo e o desenvolvimento; zelar pelos sentimentos e os compromissos com a Humanidade, retirando da Natureza apenas o que basta para o seu sustento."
Para a realização do enredo houve uma preocupação grande na hora de tratar do tema, o que levou a escola a buscar o apoio especializado, na questão técnica e científica, como fica claro nas palavras do presidente do Museu do Índio: 

Ainda com relação à elaboração de enredos, deve ficar muito claro aos que não conhecem o processo de criação de elaboração dos mesmos, que há uma grande pesquisa e metodologia envolvida na criação e na defesa de um enredo na avenida. Isso parece ter sido ignorado pelos críticos do enredo, que estes sim, pouco conseguem defender no que diz respeito às suas atitudes. 
A seguir as palavras do Professor Carlos Fausto, da UFRJ: 

A importância, seriedade e a qualidade do enredo fica muito evidente nas palavras dos especialistas sobre o tema. A seguir podemos curtir uma versão do samba, com a particiapação especial de um dos maiores intérpretes do festival de Parintins, David Assayag, famoso pela interpretação da música "Vermelho", ao lado da cantora Fafá de Belém.  

Abaixo, acompanhem a letra do samba, muito forte e que promete muita emoção e garra dos componentes da escola na avenida: 

BRILHOU… A COROA NA LUZ DO LUAR!
NOS TRONCOS A ETERNIDADE… A REZA E A MAGIA DO PAJÉ!
NA ALDEIA COM FLAUTAS E MARACÁS
KUARUP É FESTA, LOUVOR EM RITUAIS
NA FLORESTA… HARMONIA, A VIDA A BROTAR
SINFONIA DE CORES E CANTOS NO AR
O PARAÍSO FEZ AQUI O SEU LUGAR
JARDIM SAGRADO O CARAÍBA DESCOBRIU
SANGRA O CORAÇÃO DO MEU BRASIL
O BELO MONSTRO ROUBA AS TERRAS DOS SEUS FILHOS
DEVORA AS MATAS E SECA OS RIOS
TANTA RIQUEZA QUE A COBIÇA DESTRUIU

SOU O FILHO ESQUECIDO DO MUNDO
MINHA COR É VERMELHA DE DOR
O MEU CANTO É BRAVO E FORTE
MAS É HINO DE PAZ E AMOR
SOU GUERREIRO IMORTAL DERRADEIRO
DESTE CHÃO O SENHOR VERDADEIRO
SEMENTE EU SOU A PRIMEIRA
DA PURA ALMA BRASILEIRA

JAMAIS SE CURVAR, LUTAR E APRENDER
ESCUTA MENINO, RAONI ENSINOU
LIBERDADE É O NOSSO DESTINO
MEMÓRIA SAGRADA, RAZÃO DE VIVER
ANDAR ONDE NINGÚEM ANDOU
CHEGAR AONDE NINGUÉM CHEGOU
LEMBRAR A CORAGEM E O AMOR DOS IRMÃOS
E OUTROS HERÓIS GUARDIÕES
AVENTURAS DE FÉ E PAIXÃO
O SONHO DE INTEGRAR UMA NAÇÃO
KARARAÔ… KARARAÔ… O ÍNDIO LUTA PELA SUA TERRA
DA IMPERATRIZ VEM O SEU GRITO DE GUERRA!

SALVE O VERDE DO XINGU… A ESPERANÇA
A SEMENTE DO AMANHÃ… HERANÇA
O CLAMOR DA NATUREZA
A NOSSA VOZ VAI ECOAR… PRESERVAR!

Aos leitores do blog, fica a dica para acompanharem 
mais um grande enredo de 2017.

Para finalizar a postagem, quero valorizar o profissional por trás do desenvolvimento de um enredo de escolas de samba. Para isso, ouçam a manifestação do carnavalesco Cahê Rodrigues sobre o tema e suas críticas: 




sábado, 4 de fevereiro de 2017

Apagaram tudo.... Nem tudo! - "É nóis, Tucuruvi!"

Nos últimos dias as redes sociais repercutiram a decisão autoritária e lamentável do atual prefeito de São Paulo em pintar diversos locais da cidade de cinza, cobrindo obras grafitadas nos últimos anos, quebrando o até então monocromatismo da metrópole. 

A justificativa da administração seria o desgaste das cores e pichações feitas sobre as obras, o que seria "resolvido" com a pintura total em tom de cinza. Para além da falta total de sensibilidade existe ainda o desconhecimento e a desvalorização de uma modalidade de arte que transcende as periferias do Brasil. 
As grandes metrópoles mundiais exploram a arte das ruas inclusive turisticamente como Berlim e Londres, como podemos ver em alguns retirados da internet: 



Uma forma de expressão reconhecida e valorizada mundialmente mas que pelo que parece, não faz parte do que o atual prefeito paulista reconhece como arte. Abaixo alguns registros: 

Escolho essa temática para essa semana pois o enredo da escola de samba Acadêmicos do Tucuruvi em 2017 é "Eu sou a arte: Meu palco é a rua". Esse tema já tinha uma representatividade espetacular, visto que de certa forma o samba é muito ligado às ruas, becos, morros, ou como disse o samba da São clemente em 2014: "É nas vielas que nasce o mais puro samba. Se tem batucada nos guetos tem bamba. É o coração quem manda". 
Pois bem, com os fatos das últimas semanas o enredo tornou-se atualíssimo e de uma importância ímpar, cabendo ainda atualizações devido aos ocorridos na cidade. A seguir, apresento alguns trechos da sinopse do enredo desenvolvida pela escola, através do carnavalesco Wagner Santos: 


Fundamento do enredo

"Ao falar na descoberta poética guardada no olhar artístico, não podemos deixar de nos lembrar de dois relatos. Um atribuído a Michelangelo: ele, passeando na rua, ficou olhando para uma pedra. Quando alguém lhe indagou o que estava olhando, respondeu: "Estou vendo um anjo sentado". Conta-se também que um artista popular, quando perguntado acerca de como fazia seus ursos de madeira, respondeu: "Pego a madeira e tiro tudo o que não é urso". A percepção é um movimento caracterizado pela unicidade da impressão. A poesia chega sob a forma geral de uma forte sensação, que já carrega a marca da unicidade e originalidade de cada artista".   Cecília Almeida Salles

Palavras do Carnavalesco: Wagner Santos

A arte urbana é uma forma usada para classificar os movimentos artísticos, relacionados com intervenções visuais. É a maneira de como expressamos sentimentos, ideias, emoções e, de certa forma, transmitimos pensamentos éticos, morais e culturais. Normalmente, essas emoções são passadas ao receptor em forma de desenho ou apenas simples palavras, em zonas invulgares de uma metrópole. Talvez por isso, muito a considerem vandalismo e, muitas vezes punível pela sociedade.
Esta forma de expressão inicialmente era chamada de movimento underground. Com o tempo foi ganhando forma e se estruturando. Intervenções urbanas, como o graffiti, podem mesmo alcançar um nível de arte colecionável, deixando os muros da cidade rumo às galerias e museus. Exemplo disso é o Museu de Arte Moderna de São Paulo, que nos últimos anos sempre dedica uma parede a ser ocupada por um artista.
Em suma, a arte urbana é um meio que os artistas encontraram para se exprimirem o seu ponto de vista sobre as coisas exprimindo recados ou sentimentos, em forma até de "poemas", mas na forma de arte, desenho, na música, na dança ou mesmo em pequenas palavras.   Wagner Santos - carnavalesco

Setor 5 do desfile: A arte revela o homem como um ser Cosmopolita

"São Paulo outrora foi definida feia, deselegante, de "mau gosto, mau gosto", pelos versos de Caetano Veloso, adquire um novo conceito através das cores vibrantes e formas estranhas que se compilam para, ao final, proferir em um discurso indireto, cheio de acidez e metáforas o desabafo do artista. O grafitti humaniza, desperta nossa atenção para as nuances sociais desta selva de pedra. Atrai nosso olhar para aquilo que jamais despertaria nosso interesse. Embeleza e ao mesmo tempo defronta a cidade às suas contradições, obrigando-nos a contemplar nossa própria miséria.
O grafiteiro Zezão, mundialmente famoso por gostar de grafitar as galerias subterrâneas de azul, dando cor e vida aos intestinos e entranhas de São Paulo diz o seguinte sobre a arte:
"Enxergo minha arte como um curativo da cidade. Esse é o sentido do graffiti para mim. Levar arte para as pessoas que habitam os rincões esquecidos da metrópole. É quase um exorcismo do lugar".

Para aqueles que ficaram sedentos por mais informações sobre o enredo que será desenvolvido, sugiro acessarem o site da escola e conferirem a sinopse e organização completa do desfile através do link http://www.academicosdotucuruvi.com.br/sinopse.html 

Da mesma forma, o samba revela nuances não somente do grafite, mas de diversas outras formas de arte e expressão que vem das ruas, brotam do povo, especialmente do mais oprimido e excluído. A seguir a letra do samba, que mostrará também um histórico das representações artísticas e suas relações com as ruas, seu palco: 

Modéstia à parte sou exemplo de união.

Trago da alma minha própria tradução.
Eu vou me emocionar, ao ver você aplaudir,
“É nóis”, Tucuruvi!



Eu vou revelar
A minha história de inspiração.
O homem desenhou na pedra
Sua forma de expressão.
O tempo traz no vento a poesia,
No Olimpo a chama acendeu.
Peças teatrais, cenas visuais,
Uma sociedade alternativa
Desabafa em calçadas marginais.



Desafiei reinos e leis,
Pro desespero do burguês.
O saltimbanco a debochar,
Fez o nobre enlouquecer,
Todo povo gargalhar!



Nas esquinas me transformei,
Cantei e dancei pelo mundo.
Sou uma voz a gritar, Hip Hop no ar,
Herança dos guetos.
Aqui em "Sampa", a “caminhada” continua,
Nas quebradas, pelas ruas,
Traços coloridos, mentes geniais!
Sou luz que ilumina a cidade,
Estrela da comunidade,
Presença imortal, no palco do meu carnaval!



Destaco os trechos do "É nóis, Tucuruvi", retirado explicitamente da linguagem popular das ruas; "Pro desespero do burguês", "Fez o nobre enlouquecer" que demonstram os conceitos dúbios, excludentes e questionáveis de cultura erudita e popular, com os quais nos deparamos sempre que se discute temas populares, e isto não vem de hoje, como será demonstrado no enredo.

Para finalizar, o trecho "Traços coloridos, mentes geniais!

Sou luz que ilumina a cidade," que se transformou evidentemente em um recado para a administração paulista, que parece ignorar a arte e preocupantemente, a arte popular, das ruas. 
Nas circunstâncias atuais, onde uma onda de rancor, ódio e desrespeito parece imperar, o cinza toma conta das mentes, tornando o colorido perigoso e alvo de combate. 

Tristes tempos porém "As pipas sobem mais contra o vento - não a favor dele" como já disse Winston Churchill. A repressão, sobretudo em nosso país, abriu possibilidades de grande criações que até hoje são obras-primas da nossa arte e cultura, inclusive popular. 
Me alegra muito que uma escola de samba desafie o lógico e o programático ao trazer para o palco do maior espetáculo da terra um tema tão importante, tão atual, e nesse momento, tão representativo como marco de resistência!

Por hora, resta aguardar e gritar: "É NÓIS TUCURUVI"