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sábado, 4 de fevereiro de 2017

Apagaram tudo.... Nem tudo! - "É nóis, Tucuruvi!"

Nos últimos dias as redes sociais repercutiram a decisão autoritária e lamentável do atual prefeito de São Paulo em pintar diversos locais da cidade de cinza, cobrindo obras grafitadas nos últimos anos, quebrando o até então monocromatismo da metrópole. 

A justificativa da administração seria o desgaste das cores e pichações feitas sobre as obras, o que seria "resolvido" com a pintura total em tom de cinza. Para além da falta total de sensibilidade existe ainda o desconhecimento e a desvalorização de uma modalidade de arte que transcende as periferias do Brasil. 
As grandes metrópoles mundiais exploram a arte das ruas inclusive turisticamente como Berlim e Londres, como podemos ver em alguns retirados da internet: 



Uma forma de expressão reconhecida e valorizada mundialmente mas que pelo que parece, não faz parte do que o atual prefeito paulista reconhece como arte. Abaixo alguns registros: 

Escolho essa temática para essa semana pois o enredo da escola de samba Acadêmicos do Tucuruvi em 2017 é "Eu sou a arte: Meu palco é a rua". Esse tema já tinha uma representatividade espetacular, visto que de certa forma o samba é muito ligado às ruas, becos, morros, ou como disse o samba da São clemente em 2014: "É nas vielas que nasce o mais puro samba. Se tem batucada nos guetos tem bamba. É o coração quem manda". 
Pois bem, com os fatos das últimas semanas o enredo tornou-se atualíssimo e de uma importância ímpar, cabendo ainda atualizações devido aos ocorridos na cidade. A seguir, apresento alguns trechos da sinopse do enredo desenvolvida pela escola, através do carnavalesco Wagner Santos: 


Fundamento do enredo

"Ao falar na descoberta poética guardada no olhar artístico, não podemos deixar de nos lembrar de dois relatos. Um atribuído a Michelangelo: ele, passeando na rua, ficou olhando para uma pedra. Quando alguém lhe indagou o que estava olhando, respondeu: "Estou vendo um anjo sentado". Conta-se também que um artista popular, quando perguntado acerca de como fazia seus ursos de madeira, respondeu: "Pego a madeira e tiro tudo o que não é urso". A percepção é um movimento caracterizado pela unicidade da impressão. A poesia chega sob a forma geral de uma forte sensação, que já carrega a marca da unicidade e originalidade de cada artista".   Cecília Almeida Salles

Palavras do Carnavalesco: Wagner Santos

A arte urbana é uma forma usada para classificar os movimentos artísticos, relacionados com intervenções visuais. É a maneira de como expressamos sentimentos, ideias, emoções e, de certa forma, transmitimos pensamentos éticos, morais e culturais. Normalmente, essas emoções são passadas ao receptor em forma de desenho ou apenas simples palavras, em zonas invulgares de uma metrópole. Talvez por isso, muito a considerem vandalismo e, muitas vezes punível pela sociedade.
Esta forma de expressão inicialmente era chamada de movimento underground. Com o tempo foi ganhando forma e se estruturando. Intervenções urbanas, como o graffiti, podem mesmo alcançar um nível de arte colecionável, deixando os muros da cidade rumo às galerias e museus. Exemplo disso é o Museu de Arte Moderna de São Paulo, que nos últimos anos sempre dedica uma parede a ser ocupada por um artista.
Em suma, a arte urbana é um meio que os artistas encontraram para se exprimirem o seu ponto de vista sobre as coisas exprimindo recados ou sentimentos, em forma até de "poemas", mas na forma de arte, desenho, na música, na dança ou mesmo em pequenas palavras.   Wagner Santos - carnavalesco

Setor 5 do desfile: A arte revela o homem como um ser Cosmopolita

"São Paulo outrora foi definida feia, deselegante, de "mau gosto, mau gosto", pelos versos de Caetano Veloso, adquire um novo conceito através das cores vibrantes e formas estranhas que se compilam para, ao final, proferir em um discurso indireto, cheio de acidez e metáforas o desabafo do artista. O grafitti humaniza, desperta nossa atenção para as nuances sociais desta selva de pedra. Atrai nosso olhar para aquilo que jamais despertaria nosso interesse. Embeleza e ao mesmo tempo defronta a cidade às suas contradições, obrigando-nos a contemplar nossa própria miséria.
O grafiteiro Zezão, mundialmente famoso por gostar de grafitar as galerias subterrâneas de azul, dando cor e vida aos intestinos e entranhas de São Paulo diz o seguinte sobre a arte:
"Enxergo minha arte como um curativo da cidade. Esse é o sentido do graffiti para mim. Levar arte para as pessoas que habitam os rincões esquecidos da metrópole. É quase um exorcismo do lugar".

Para aqueles que ficaram sedentos por mais informações sobre o enredo que será desenvolvido, sugiro acessarem o site da escola e conferirem a sinopse e organização completa do desfile através do link http://www.academicosdotucuruvi.com.br/sinopse.html 

Da mesma forma, o samba revela nuances não somente do grafite, mas de diversas outras formas de arte e expressão que vem das ruas, brotam do povo, especialmente do mais oprimido e excluído. A seguir a letra do samba, que mostrará também um histórico das representações artísticas e suas relações com as ruas, seu palco: 

Modéstia à parte sou exemplo de união.

Trago da alma minha própria tradução.
Eu vou me emocionar, ao ver você aplaudir,
“É nóis”, Tucuruvi!



Eu vou revelar
A minha história de inspiração.
O homem desenhou na pedra
Sua forma de expressão.
O tempo traz no vento a poesia,
No Olimpo a chama acendeu.
Peças teatrais, cenas visuais,
Uma sociedade alternativa
Desabafa em calçadas marginais.



Desafiei reinos e leis,
Pro desespero do burguês.
O saltimbanco a debochar,
Fez o nobre enlouquecer,
Todo povo gargalhar!



Nas esquinas me transformei,
Cantei e dancei pelo mundo.
Sou uma voz a gritar, Hip Hop no ar,
Herança dos guetos.
Aqui em "Sampa", a “caminhada” continua,
Nas quebradas, pelas ruas,
Traços coloridos, mentes geniais!
Sou luz que ilumina a cidade,
Estrela da comunidade,
Presença imortal, no palco do meu carnaval!



Destaco os trechos do "É nóis, Tucuruvi", retirado explicitamente da linguagem popular das ruas; "Pro desespero do burguês", "Fez o nobre enlouquecer" que demonstram os conceitos dúbios, excludentes e questionáveis de cultura erudita e popular, com os quais nos deparamos sempre que se discute temas populares, e isto não vem de hoje, como será demonstrado no enredo.

Para finalizar, o trecho "Traços coloridos, mentes geniais!

Sou luz que ilumina a cidade," que se transformou evidentemente em um recado para a administração paulista, que parece ignorar a arte e preocupantemente, a arte popular, das ruas. 
Nas circunstâncias atuais, onde uma onda de rancor, ódio e desrespeito parece imperar, o cinza toma conta das mentes, tornando o colorido perigoso e alvo de combate. 

Tristes tempos porém "As pipas sobem mais contra o vento - não a favor dele" como já disse Winston Churchill. A repressão, sobretudo em nosso país, abriu possibilidades de grande criações que até hoje são obras-primas da nossa arte e cultura, inclusive popular. 
Me alegra muito que uma escola de samba desafie o lógico e o programático ao trazer para o palco do maior espetáculo da terra um tema tão importante, tão atual, e nesse momento, tão representativo como marco de resistência!

Por hora, resta aguardar e gritar: "É NÓIS TUCURUVI" 

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