Sou Cultura viva, pulsando no compasso da bateria! Sou sangue do gigante Brasil!

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sábado, 5 de fevereiro de 2011

1500 anos em 80 minutos!

Essa semana apresetamos o enredo que talvez tenha apresentado a maior quantidade de eventos e referências históricas da Marquês de Sapucaí: 
Vila Isabel 1998 - "Lágrimas, Suor e Conquistas num mundo em Transformação!".
Este desfile, assim como o samba que o embalou não estão entre os mais comentados, nem surgem nas listas de "antológicos", mas para a finalidade deste blog, cai como uma luva. Antes de aprofundarmos a História presente no desfile, vale a pena conferir o samba, muito bem interpretado pelo grande "Gera", tradicional intérprete de Vila Isabel no programa Botequim da Manchete:
 


Segue a letra, acompanhem:

O homem no tempo guerreia
Seu rastro semeia ambição
É a chama da conquista acesa no seu coração
"A luz de Roma se apaga"
Daí se propaga a transformação
O clero, a bem da verdade,
Julgava o herege na inquisição

Baila no ar a esperança
O homem avança no velho mar (bis)
Um horizonte de riquezas
Fazia a Europa prosperar

Da burguesia surge o renascer
Valorizando ideais
Aniquilando o jeito de ser
Da soberania dos feudais
A sede da cobiça deságua na deriva das águas
A chegada triunfal
Às Índias, ao novo continente
E a este paraíso tropical
Velas ao vento! O rei mandou
O navegante outras terras conquistou
Tantos sem terra ficaram!
A sabedoria o poder contestou
Raios divinais iluminaram a humanidade
Na França movimentos radicais
Deram ao mundo outra mentalidade
No girar da coroa, a liberdade
Igualdade ecoa no meu cantar (bis)
A Vila, numa boa, agita o Carnaval
É fraternidade universal

O homem...


Muitas vezes não contamos com todo o material criado pelas escolas na elaboração de seus enredos, sobretudo quando se tratam de desfiles ocorridos antes da revolução causada pela internet e a propagação de informações pelo mundo afora. Em 1998, o carnavalesco da Vila Isabel era Jorge Freitas, campeão do carnaval 2010 de São Paulo com a escola Rosas de Ouro. Vejamos o que escreveu Jorge Freitas na sinopse de 1998:

"LÁGRIMAS, SUOR E CONQUISTAS NO MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO"

G.R.E.S. UNIDOS DE VILA ISABEL

Com este tema, pretendemos mostrar que os objetivos de uma sociedade deveriam ser conquistados a qualquer preço. Quando nos referimos às lágrimas, estamos pensando nas vidas perdidas e no desespero dos homens que, ao saírem em busca de conquistas, tinham apenas a certeza da saída.
Os monstros e os demônios deveriam ser dominados. As lágrimas das conquistas seriam transformadas em glória, significando a supremacia de um povo sobre o outro. O suor representa o trabalho dos menos favorecidos: dos conquistados, que entregariam suas vidas ao conquistador para que este pudesse transformar cada gota de sangue, suor e lágrima em ouro, açúcar, tabaco, drogas do sertão, etc...
Através da cruz, espada e pólvora o homem ia dominando a raça "inferior". As conquistas se fizeram, acima de tudo, através da dominação, da invasão, da submissão e da desintegração de uma sociedade esmagada pela indiferença, por uma aparente "superioridade".
O absolutismo é soberano, mas a idéia de justiça surge através de uma luz, que simboliza ideais de liberdade,
igualdade e fraternidade e assim o mundo conquista a sua transformação.

Jorge Freitas
Carnavalesco

Os eventos históricos específicos não são explanados claramente, mas analisando os trechos do samba enredo em pequenas sequências, podemos identificar várias referêcias mais claramente. Vejamos então:

"O homem no tempo guerreia
Seu rastro semeia ambição
É a chama da conquista acesa no seu coração"

É da natureza humana a competitividade, a disputa, e porque não a ambição, o desejo de buscar mais, querer mais, descobrir e desvendar segredos e mistérios. Assim como pode ser positiva essa busca por mais, ela também pode e efetivamente foi, ao longo da história, negativa para muitos povos, alvos dessa ambição.
Nesse ponto devemos nos sentir citados neste enredo, já que a América foi e para alguns ainda continua sendo, alvo da ganância dos povos ditos do "primeiro mundo", enfim...

""A luz de Roma se apaga"
Daí se propaga a transformação"

O início do desfile traz na comissão de frente os povos bárbaros, que tiveram um papel importante no processo que levou ao fim do Império Romano e no surgimento de uma nova sociedade na Europa.

"O clero, a bem da verdade,
Julgava o herege na inquisição"

Um enredo que trate sobre a idade média, mesmo que de forma superficial, não deve deixar de citar o papel da igreja. Um dos pilares da sociedade feudal, deixou na história a marca do seu tribunal do Santo Ofício, ou Inquisição, como na letra do samba. A influência dessa instituição não foi esquecida no desfile, tendo grande destaque, como não poderia deixar de ser.

"Baila no ar a esperança
O homem avança no velho mar
Um horizonte de riquezas
Fazia a Europa prosperar"

O refrão central do samba faz referência à busca de novas reservas de riquezas de fácil exploração e o início do período conhecido como "grandes navegações". Os europeus lançaram-se ao mar na busca de novas rotas comerciais que pudessem baratear custos e gerar maiores lucros.

"Da burguesia surge o renascer
Valorizando ideais
Aniquilando o jeito de ser
Da soberania dos feudais"

O renascimento cultural, através do financiamento da produção artística por parte dos burgueses, chamados de Mecenas, traz à luz da História esse grupo social, surgido nos burgos, que passou a ter um papel superior aos antigos senhores feudais, que baseavam sua dominação na coerção econômica, social, psicológica (com o apoio da igreja). Surge um novo momento do pensamento humano, valorizando o pensamento, a razão, o humano, em detrimento do divino, religioso.

"A sede da cobiça deságua na deriva das águas
A chegada triunfal
Às Índias, ao novo continente
E a este paraíso tropical
Velas ao vento! O rei mandou
O navegante outras terras conquistou"

Todo esse processo de mudanças, transformações (como diz o enredo) levou o europeu à nova rota comercial para as Índias e à América, o novo mundo, recheado de riquezas, que deveriam ser levadas o mais depressa possível aos palácios europeus. O processo de incentivo às viagens marítimas por parte dos soberanos, levou à novas descobertas em técnicas de navegação, observação dos astros, construção de embarcações, etc.

"Tantos sem terra ficaram!"

Uma breve frase carregada com o maior simbolismo para nós, habitantes do novo mundo, uma vez que aqueles que ficaram sem as terras viviam aqui com suas magníficas sociedades. Tratam-se de Incas, Maias e Astecas, os mais conhecidos, além de centenas de povos que foram dizimados por aquela cobiça "natural" dos humanos europeus.

"A sabedoria o poder contestou
Raios divinais iluminaram a humanidade
Na França movimentos radicais
Deram ao mundo outra mentalidade
No girar da coroa, a liberdade
Igualdade ecoa no meu cantar (bis)
A Vila, numa boa, agita o Carnaval
É fraternidade universal"

A razão e o combate ao antigo regime a través do iluminismo e da Revolução Francesa fecham o desfile, lembrando a luta pelo fim dos privilégios feudais, a sobrecarga do terceiro estado (burgeusia e camponeses) na França, que sustentavam o clero e a nobreza, muitas vezes decadente.
A luta pela vitória das idéias e o desejo de transformação foram buscados na História para que simbolizassem o desejo da própria Vila Isabel em seu desfile, que desejava melhorar seu desempenho no carnaval. Isso foi dito no decorrer do desfile pelos comentaristas uma vez que a escola desfilava com características visuais diferentes de seu histórico passado.
Foi a História iluminando a Vila Isabel em 1998, inspirando a tão desejada transformação da escola!




Alguns momentos do desfile, apreciem:
Para que todos possam entender melhor o modo de organização do desfile de uma escola de samba, buscamos o nome das alas e uma breve caracterização de cada uma, conforme apresentado no desfile pela televisão. O desfile de 1998 da Vila Isabel foi assim organizado


·        Comissão de frente: “Barritus” – Grito de Guerra dos Bárbaros

·        Carro Abre-alas: As invasões dos bárbaros do norte europeu ao império Romano
Os povos germânicos vieram de diversas partes da Europa  e ocupavam as fronteiras do império romano. No início, a convivência foi pacífica, mas depois começaram as invasões. Duraram cerca de dois séculos e destruíram a unidade do império romano.
 Destaque do carro: Odim – Deus germânico

·        Ala 1: Bárbaros
Grandes, barbudos, usavam vestimentas de linho grosseiro ou peles de animais, viviam em tribos, lutavam com lanças, escudos, guerreiros valentes, viviam da caça e agricultura rudimentar.

·        Ala 2: Veneração germânica
Cultuavam deuses escandinavos como Thor e Odim.

2º Setor do desfile
Feudalismo – Novo sistema social, político e econômico que marcou a Europa.

·        Ala 3: Castelo Medieval
Eram fortalezas de pedra da Europa

·        Carro 2 – Cavaleiro Medieval
Cavaleiros eram nobres que dedicavam sua vida a lutar pelo seu Senhor, usavam armaduras pesadas, grandes cavalos, lanças e espadas.
 Destaque do Carro – Nobreza

·        Ala 4: Anjos do Bem
Compromisso medieval com Deus e com a Igreja, esta estava presente na vida de todos, na hora do batismo, casamento e morte. Durante mil anos a Europa teve uma só fé: o cristianismo.

·        Ala 5: Anjos do Mal
O diabo, com imagem de portador do mal, sempre existiu no imaginário do ser humano e das religiões, sob o nome de Imara, Igli, Lúcifer, Satã, Belzebu, Nefestófeles.

o       2º Casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira: Fogo da Inquisição
A Igreja criou o tribunal do santo ofício, ou inquisição, para identificar e punir quem fosse contra os dogmas do catolicismo. Muitos condenados iam para a fogueira.

·        Ala 6: Chamas da Purificação
Julgamento pelo tribunal da inquisição – Quem não assumisse o compromisso com a religião era considerado pecador e o fogo era o modo de limpar os pecados destes.

3º Setor

·        Ala 7: O grande despertar
Cruzadas – Guerras santas contra os muçulmanos que dominavam a terra santa onde Jesus Cristo nasceu. A partir do século XI as cruzadas incentivaram a navegação e o comércio com povos do outro lado do mundo.

·        Carro 3 – Idade das Trevas
      Deus era a luz e sem ele o homem viveria na mais completa escuridão
Destaque do carro: Luz Divina

·        Ala 8: África – Marfim, ouro e escravos
A fé religiosa era o motivo maior das Cruzadas, mas as expedições também visavam a conquista de poder, riquezas e territórios, comerciantes das cidades italianas como Gênova e Veneza em busca de novos mercados.

·        Ala 9: Índia – Cravo, Canela e Pimenta
Cruzadas ajudaram o comércio com o Oriente, especiarias, assim como sedas e tapetes passaram a ser vendidos na Europa.

·        Ala 10: Arábia – Tapetes e Perfumes
Árabes invadiram a Europa depois que a rota do Mediterrâneo foi tomada das mãos dos muçulmanos.

·        Ala 11: China – Sedas e Porcelanas
Dos viajantes venezianos, o mais conhecido foi Marcopolo, que com o pai e o tio foi até a China, a viagem durou 20 anos, de lá trouxe sedas e porcelana. Na volta escreveu um livro que influenciou navegadores como Colombo.

·        Carro 4 – Comércio das Especiarias
Destaque do carro: Luxúria

4º Setor

·        Ala 12: A Transformação

o       1º Casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira: Razão Renascentista
      A partir do século XVI a Idade Média passou a ser vista como um período de estagnação, retrocesso e ignorância, houve uma revalorização da cultura clássica greco-romana

·        Ala 13 (Bateria): Harmonia Macro-cósmica

·        Ala 14: Renascimento das artes

·        Ala 15: Teoria Heliocêntrica
      O polonês Copérnico estudou o movimento dos astros e concluiu que era o Sol e não a Terra o centro do universo. Não foi fácil convencer o mundo e derrubar uma crença que durava catorze séculos

·        Ala 16: Sem informações sobre essa ala.

·        Ala 17: De olho no mundo

·        Carro 5 – Renascença
      O movimento das artes e das letras foi o resultado de um mundo em transformação
Destaque do carro: Tributo à renascença

·        Ala 18: Cobiça espanhola

·        Ala 19 (Baianas): Divisão do Mundo
       Tratado de Tordesilhas, divisão entre Portugal e Espanha.

·        Ala 20: Tropicália Brasileira

·        Carro 6 – Tratado de Tordesilhas
       Grande Eldorado: América Espanhola e Paraíso Tropical: América Portuguesa

·        Ala 21: Absolutismo

·        Ala 22: Direito Divino

·        Ala 23: Nobreza

·        Carro 7 – Palácio do Esplendor

·        Ala 24: Sem informações sobre essa ala.

·        Ala 25: Revolução Francesa

·        Carro 8 – A luz da Transformação – Revolução Francesa
Destaque do carro: Arauto da era contemporânea

As informações sobre as alas foram retiradas da narração do desfile pelos apresentadores da televisão. Por esse motivo, algumas informações foram perdidas em momentos de entrevistas, comentários, etc.

Espero que todos tenham gostado do enredo. Participem com dúvidas, comentários sobre o desfile, curiosidades em geral.
Obrigado e até a próxima atualização!

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